Danço.
Danças. E a música é lenço branco voando. E a noite é fumo, fumo que arde,
inconsequente e férreo, veloz, voraz. É sede e força que se abraçam. É sombra e
voz que se ligam, imaginação imperfeita dos corpos que não existem. Suor, suor
frio e quente, toque, toque leve e envergonhado. Corre, que o presente não
suporta a nossa dor. Quebra a luz, entra na escuridão luminescente do álcool, vem
comigo, partamos ao meio a fatia de solidão que nos calhou, choremos juntos a
verdade que a embriaguez consola. Porque o presente é insuportável e não ouve
ninguém. Queremos o bem do mundo, tão só o bem simples do mundo, mas somos
sempre em falha, passageiros sem bilhete, multa imperativa, tristeza magoada
que se afunda e nos afunda, sempre mais e mais. Madeira é a que cheira este
estrado em que me deito e estico, tabaco impregnado de tempo, olho turco que espelhando-me
a ti espelha, coisa sem sombra que sou, que somos, vapor, vapor sem lembrança. Voz
ao fundo, música de fundo lento, sala onde dançamos, de cabelos e braços
desnudados, sombras, vultos perdidos e soltos, liberdade que só o vento, muito
vento, nos traz. Assim vagueamos pela noite, pelas noites das memórias vagas. Sentir
vibrante, como te quero. Porque o amor não se basta e o amar concreto é
horizonte que se não revela. Suor, calor, alma em partilha contínua. Fazes-me
falta e não sabes, nem da falta que me fazes, nem de mim. Nem de mim… Do eu,
que sou e mais não posso. Não posso gritar mais pelo que não existe, por ti. Há
coisas e palavras que se não ouvem na confusão dos dias secos. Pudéssemos ao
menos dizer a todos os cantos e recantos e recortes como o amor é denso e mudo
e belo. Pudéssemos quebrar toda a distância. Pudesse eu fazê-lo por nós, por
mim, por ti só. Mas o astro da convenção, do como deve de ser, arrasa-nos com desculpas
e medos infundados. Tenho a mim e ao dia estafado de tanto amar em perda.
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