O tempo ia caindo, esmurrado e esguio, naquela tarde em que sentados no chão, nos demos tarde e já sem fim. Nada começou naquele princípio denso. Nada para além do que fui eu só. Mas a música foi levando e trazendo os restos de nós, de mim que fiquei sem onde. Era Lisboa, aquela que já não me existe. Era a tarde rebolando rua abaixo, rua acelerada, rua movimento, rua catadupa, de pessoas e casas desfocadas. Éramos ali em ponto morto, sem futuro. Não sei, não sei mesmo em que ponto fiquei. Sei que estou longe, áziga, distante do princípio de tudo, voltada de costas para a brisa fresca da manhã. Não sei porque acredito no amor, na amizade, na distorção que faço das coisas, que são apenas coisas. Procuro na intransigência da verdade o abraço que me falha, abraço prolongado, prolongamento de nós. Depois, depois fica a saudade, este agora que me custa e não passa. Como quando subia a calçada do lavra e o meu corpo de madeira e corda era na glória que se erguia. Subi a colina errada, manhã cedo, cansada e sem saber porquê, como agora. Deu-me o tempo a alternativa, que não guardei. Deu-me o tempo a forma amarga e triste de partir, mas não tive como. Enganei-me outra e outra vez, espetei-me, imprudente, contra as paredes que me prenderam, que me cercaram no intervalo das cores, dos aromas, da luz que em mim foi vontade de viver. Mas tudo me é prontamente inacessível, tudo me é presenteado a contragosto, mesmo o teu nome, a nomeação da tua falta. Não há vida justificável ante o sofrimento, depois da consciência clara de que não existem manhãs universais, nem torradas quentes para todos. A vida é isto mesmo, uma contradição consentida, um estar bem no normal recalcamento e escusa. Sorrir é esquecer a desigualdade, a forma assimétrica e grosseira, a matemática original, a imperfeição primeira que somos, do alto desta torre de menagem arenosa e lábil.
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